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Gota a gota é quanto basta

09/10/2018

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As alterações climáticas estão a alterar a distribuição temporal da chuva e a afetar a disponibilidade das reservas de água, e quando no espaço da União Europeia a atividade agrícola utiliza mais de metade daquelas reservas, no sul da Europa (Portugal incluído), onde a cultura de regadio assume capital importância, esse valor atinge os 80%. Há muito que o alerta foi dado e os apelos têm sido dirigidos à necessidade de adotar as mais modernas práticas de regadio. A Abolsamia foi conhecer uma exploração frutícola em Pegões onde o recurso hídrico passou a ser gerido de forma (muito mais) eficiente e parcimoniosa.

É no Monte da Judia, em Pegões, Montijo, concelho onde a vitivinicultura é atividade que tem ganho importância, com uma economia há décadas assente na produção, abate e transformação de carne e nas fileiras da cortiça, horticultura e floricultura, que se vão conjugando responsabilidade e sustentabilidade como palavras-chave na utilização da água para a produção frutícola.

Ameixa, alperce, maçã, pêra, limão, romã e dióspiro, em 77 hectares de areias do pliocénico, caraterísticas da península de Setúbal, antigas e heterogéneas, onde a maior parte da água que ali se precipita, se infiltra no solo. Com uma força de trabalho permanente de cinco elementos e de 30 em épocas de campanha, assim se perfila a exploração da Agofema, produtor associado à Frutalmente, que trabalham em estreita colaboração com o Grupo Jerónimo Martins.

Em 2015, após a aquisição de novas parcelas, submeteram um projeto de candidatura ao PDR2020 para modernização de regadio através do sistema de rega gota-a-gota, um investimento de vulto, em fase de consolidação, mas que já só aguarda a instalação de nova ajuda à produção, a tecnologia de precisão (VRT), para monitorização e gestão controlada da água nas culturas.

E os resultados não se fizeram esperar. As abelhas polinizadoras fazem o seu trabalho nas macieiras, as flores despontam, os primeiros frutos vão ganhando dimensão. Só a água não é visível. Daniel Casteleiro, engenheiro agrónomo responsável pela exploração, estabelece as diferenças entre o antes e o depois: “Quando aqui chegámos a técnica utilizada era a rega por alagamento. E era tudo menos eficiente, não só porque o custo da água era brutal, mas também porque as árvores estavam sujeitas a doenças (fungos e bactérias) inerentes a tal técnica. E com tal estado fitossanitário sabemos que a planta e a sua produção vão sofrer bastante. Longe vão os tempos dos canais de caudal livre e a condução da água para as caldeiras das árvores. Terá sido em 2007 a última utilização desse sistema neste espaço. Desde 2013 que temos feito muito trabalho de reconversão. Era ineficiente, havia sinais de stress hídrico nas plantas e a quebra na produção era grande, acima de tudo no calibre da fruta, fundamental para trabalharmos com as grandes superfícies. Agora, com o sistema gota-a-gota, a planta recebe apenas o que precisa em determinado dia, semana ou mês, e na quantidade certa.”

Respeitar a natureza

Paulo Fragoso, projetista, consultor e gerente da Hidrofluxo, empresa especializada nas áreas da hidráulica agrícola e da gestão de recursos hídricos, elabora sobre o sistema de rega que concebeu, sem perder de vista as importantes questões conexas: “Isto é delicado e tem a ver com a ideia que se faz do consumo de água na agricultura, a sua pegada ecológica e a pressão sobre o aquífero. Aqui a água tem origem num sistema aquífero subterrâneo muito antigo. Temos que a ir buscar bem lá abaixo. Não a extraímos de qualquer maneira e nos volumes que bem entendemos, pois a legislação ambiental em termos de aquíferos para exploração exige muito cuidado e coloca-nos muitas restrições. E nós temos essa preocupação, pois adaptamos as necessidades hídricas ao que as plantas precisam de consumir e respeitamos o que a natureza nos fornece, não só porque a água é escassa e necessária para outras utilizações, mas também porque a sua extração é cara. Neste local, a água encontra-se entre os 150 e os 160 metros de profundidade e não é brincadeira nenhuma trazê-la para a superfície. A fatura de energia daí resultante normalmente é pesada.”
“Suprimos as necessidades das plantas através do regadio de diversas formas e com determinados objetivos”, aprofunda Paulo Fragoso, esmiuçando a técnica e estabelecendo paralelismos: “Existem três grandes tipos de regas - a de humedecimento, para matar a sede, como acontece com o homem; a qualitativa, para apurar a qualidade do produto final e a de proteção, como na proteção contra o abaixamento de temperatura, como é caso da geada, em que podemos proteger as plantas desse processo físico de congelação. O que importa é controlar a quantidade de água que se dá à planta.
Através das caldeiras não a conseguimos controlar, impedindo-nos de saber o que a planta precisa em determinada fase do seu ciclo, seja na floração, no amadurecimento ou no enchimento do fruto.”

Mas como se chegou ao processo de decisão, de reconversão de um sistema tão ancestral quanto antiquado? Explicação de Daniel Casteleiro: “Quando fizemos o projeto foi fundamental a presença de uma empresa como a Hidrofluxo, pois sabemos que 30% do investimento total vai para o sistema de rega. No caso desta exploração, aquele quinhão chegou aos 230 mil euros. É evidente que é fundamental o auxílio de uma mão profissional e não ficarmos dependentes da ‘casa da rega’, entrando num mercado muito dispendioso.

A Hidrofluxo concebeu o projeto de regadio e a Agofema passou-o a quem o deveria executar, no caso a Irrifarm (do Montijo). Nesta altura, se não nos apoiarmos numa opinião imparcial pode ser uma desgraça em termos de custos e eficiência da exploração. É porque 77 hectares não se medem em metros lineares, mas sim quilómetros de canalização e centenas de quilómetros de pequenos tubos por onde goteja.”

Tiago Reis, da Agroop, chega ao terreno com as sondas capacitivas que hão-se ser distribuídas pelos vários setores das produções. É a entrada em cena da tecnologia de precisão no regadio (ver outro texto). Sucintamente, Daniel Casteleiro explica que se trata de mais uma ferramenta “para controlarmos o estado de humidade da árvore e do solo e o que estão a consumir e estabelecer os rácios”. Tal tecnologia cria gráficos que podem ser consultados num computador, e que mostra o que sente a planta. Diz Paulo Fragoso que, em complemento, “a estação meteorológica, no local, ou que a ela podemos aceder através de base de dados, ajuda-nos a fazer o cálculo do que a planta está a precisar.”

Metade dos gastos

Para qualquer exploração importará saber, na medida certa, um outro rácio, o que estabelece o valor entre os custos e os proveitos, após a adoção de medidas corretivas, ou pela reconversão do sistema de rega das culturas. “Investimos muito para colhermos os benefícios a médio/longo prazo e já sei que vou ter maior capacidade produtiva das árvores e vou gastar metade da água que gastava”, acredita Daniel Casteleiro, para quem a instalação deste sistema lhe fará poupar, só em electricidade, metade do que gastava, e em água também. “Chegámos a ter períodos de rega de 24 horas por dia (e não chegava) e agora, por regra geral, não ultrapassamos as catorze horas. O caudal que extraímos do furo é sensivelmente igual, mas o volume total e a distribuição da água está melhorada e muito mais equilibrada”, precisou.

Já Paulo Fragoso, especialista nestes sistemas, encontra, a montante, outros fatores que devem pesar na hora da tomada de decisões. Em suma, diz haver questões culturais que devem ser consideradas: “Os agricultores tenderão a queixar-se menos. Agora têm maior acesso ao conhecimento disponível, sendo assim capazes de modernizar a sua lavoura e deixarem de estar tão sujeitos à aleatoriedade que todo este processo engloba. Hoje há instrumentos que nos alertam para situações atmosféricas adversas que aí vêm.
Há décadas havia quatro estações por ano, hoje está tudo diferente. Podemos ter imensa precipitação acumulada em uma semana e depois podemos ter seis meses sem chover. Temos que adaptar as culturas à natureza. Os agricultores queixavam-se é verdade, mas muito por culpa da falta de conhecimento.” Também Daniel Casteleiro se manifesta de acordo com a evolução do registo cultural do agricultor, mas sem escamotear a questão da mentalidade, que em muitos casos diz ainda ser de oposição à mudança, “pois nem sempre acompanha a modernidade, e se nos minifúndios é pior, pois ainda há quem resista, de uma forma geral isto está a mudar e o associativismo tem sido importante para alterar o estado das coisas.”

Auxílio do PDR2020 Submissão simples, processo lento

O projeto de reconversão da exploração da Agofema para a conceção e montagem de um sistema de regadio moderno e mais eficiente foi submetido, com sucesso, a candidatura ao Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020. Como que a contrariar um ror de vozes contestatárias, quem o conduziu não o achou tão “complicado ou burocrático”. “A submissão e aprovação até foi simples, já o tempo que mediou entre a submissão [dezembro de 2015] e aprovação [novembro de 2016] foi demasiado longo, tal como demasiado curto [uma semana], para dar resposta a cerca de 50 questões sobre orçamentos e justificação de utilização de materiais e máquinas”, diz Daniel Casteleiro, lamentando que tanto tempo de espera fosse contraposto a um tão apressado período para a finalização: “Se não o fizéssemos certamente que já estaria na gaveta. E a verdade é que estamos a falar de um projeto de três milhões de euros…, com capitais próprios e recurso à banca. O problema é que agora estamos a ter dificuldade para obter o reembolso.”

Leia aqui o artigo completo - Especial Água
 

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