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Eduardo Oliveira e Sousa: “Precisamos de ter uma capacidade de armazenamento que permita fazer face a longos períodos sem chuva”

19/06/2018

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O tema da gestão dos recursos hídricos está na ordem do dia. Em termos de
infraestruturas de armazenamento de água, quais são as prioridades?

Neste momento creio que as infraestruturas que existem são manifestamente insuficientes face a uma nova forma de encararmos as alterações climáticas. Precisamos de ter uma capacidade de armazenamento que permita fazer face a longos períodos sem chuva, o que é de alguma maneira uma novidade, porque todas as infraestruturas que existem em Portugal, à exceção do Alqueva (e por isso é que o Alqueva ainda tem água), foram desenhadas numa perspetiva da sua recuperação ser anual.

Uma utilização anual e uma recuperação anual. Numa perspetiva em que pode haver anos em que a reposição não seja suficiente para a utilização que está associada a um ano normal, é preciso que a capacidade de armazenamento aumente. E há duas maneiras para se fazer esse aumento: ou se aumenta a própria obra, o que nem sempre é possível, ou se fazem obras que ajudem as outras obras, uma barragem antes de outra, noutros locais, etc.

Depois, também é preciso pensar na necessidade de levar água às regiões onde a atividade agrícola era tradicionalmente pouco utilizadora dessa técnica, ou porque chovia mais, ou
porque as culturas utilizadas eram menos exigentes em água. Como neste momento, até mesmo as culturas tradicionais vão precisar de serem ajudadas para se poderem manter no
espectro económico das regiões onde estão, isso tem de ser feito com uma ajuda, e essa ajuda tem de ser com base em água armazenada ou na utilização da água do subsolo.

Como eu defendo muito mais uma utilização de águas superficiais do que de águas do subsolo, para protegemos as do subsolo, prevejo que seja necessário criarmos um conjunto de novos armazenamentos para chegar a essas regiões que hoje em dia têm pouca intensificação agrícola; estou a falar concretamente de Trás-os-Montes, Alto Alentejo próximo da ligação à região da Beira Interior (ou seja a região de Castelo Branco, a região da Guarda), e de reforçar as regiões que já têm alguma água mas que precisam de ter maior capacidade, como por exemplo o Algarve.

“Em Portugal tem havido algum afastamento, algum desligamento, entre o que é a Academia e o que é a prática.”

Até no próprio Minho, o que era impensável, estes problemas se vão começar a colocar mais dia menos dia. E aqui bem perto de nós, o Oeste, que tem vivido com base em pequenos armazenamentos e em águas subterrâneas, está neste momento a atravessar o limiar da disponibilidade dessa disponibilidade em tempo oportuno. Mas para o Oeste há uma outra solução, o Tejo. Trata-se de um plano que dá agora os primeiros passos, não está ainda em projeto, e que foi agora anunciado, que prevê uma ligação do Tejo à região do Oeste através de bombagem, aqui próximo de Valada. Se isso tomar forma, o Oeste poderá intensificar e dar maior sustentabilidade ao desenvolvimento ótimo que ali está a acontecer associado à fruta, aos frutos vermelhos, à pera e à maçã, e à própria horticultura.

Que medidas preconiza para uma melhor gestão da água que é utilizada na agricultura?

Aí entra a agronomia. Os académicos têm pela frente um enorme desafio, que é o de promover conhecimento no sentido de irem anunciando e conduzindo os agricultores a mudarem quer as culturas quer as técnicas de regar. Se nos locais onde se fazem determinadas culturas estas começarem a ter problemas devido às alterações climáticas, não basta dizer “eu agora vou regar”.

A seca e as alterações climáticas não são apenas mudanças na forma como a água está ou não acessível. Há muitos outros fatores que influenciam aquilo que se faz nesses terrenos, nessas regiões onde queremos que as pessoas se mantenham, e que têm a ver com outras coisas, como sejam a temperatura, os picos de calor e de frio, trovoadas, novas doenças, novos parasitas…, portanto, as alterações climáticas trazem um conjunto de problemas que têm de ser estudados para se encontrarem soluções. A rega é uma delas, a água é uma delas, mas não é por si só nem a solução nem o problema. E é isso que se transforma num enorme desafio para a academia. É evidente que os agricultores têm pressa, porque estão a ser confrontados com estas alterações climáticas muito mais rapidamente do que se estava à espera, e por isso estão sedentos de novas soluções. Algumas organizações já deram passos significativos. Na região do Douro já se está a mudar e a estudar quais as cultivares de vinha que se adaptam melhor a estas situações, ao stress hídrico, ao pico de calor que dá origem a vinhos mais alcoólicos, à antecipação da colheita, etc, etc.

Havendo água disponível pode existir a tentação de intensificar a produção. Qual é a sua visão sobre este tema?

Não é só porque existe água disponível que se deve intensificar a produção. Temos que saber até onde podemos ir nessa intensificação, e isso é um desafio que tem de ser feito com base no conhecimento. Admito que possam estar, localmente, a ser praticados alguns excessos para se atingirem determinados patamares em termos de rendimentos económicos, que podem ultrapassar o razoável e o limiar técnico da capacidade de resposta do meio.

“Prevejo que seja necessário criarmos um conjunto de novos
armazenamentos para chegar a essas regiões que hoje em dia têm pouca
intensificação agrícola.”

Em Portugal tem havido algum afastamento, algum desligamento, entre o que é a academia e o que é a prática. Não só na agricultura, em todas as atividades. E esse afastamento é extraordinariamente perigoso numa situação destas, porque se houver conhecimento é preciso que ele seja transferido para a produção. E a produção tem de ir procurar mais conhecimento junto de quem tem a obrigação de ajudar. E se houver este sentido de aproximação duns com os outros, poderão melhor ser identificadas essas situações e encontradas soluções.

E como acha que essas sinergias se poderiam melhorar?

A primeira coisa é a academia aproximar-se da produção para identificar os problemas. E depois dizer-lhes: “Nós estamos a estudar os vossos problemas”. E quase obrigar a produção a acompanhar o desenvolvimento do estudo dos problemas. A bola está neste momento mais do lado das universidades, com reuniões, com visitas… Eu sei que existem limitações
orçamentais, Portugal é um país que vive sempre enrolado neste imenso emaranhado de dificuldades financeiras, é um facto. Há um bocadinho aquela sensação de acomodação, as
pessoas estão lá nos seus laboratórios, entram às 9 saem às 5, a vida está garantida… por isso é que é muito importante a ligação das universidades com as empresas, como acontece muito lá fora, também porque as empresas se predispõem a pagar…. Temos de assumir esse passo como uma realidade e uma necessidade. E já é, de alguma maneira. Já há projetos de investimento em que as universidades, para terem acesso a um determinado pacote financeiro, para desenvolverem um determinado trabalho, têm de ter, com elas, uma empresa, uma associação ou um agrupamento. Por isso, essa ligação deve ser intensificada, exatamente para se encontrarem soluções para estes problemas.

No norte do País continua a prevalecer uma agricultura de minifúndio. Que medidas defende para profissionalizar e tornar mais rentável essa agricultura?

A agricultura de minifúndio é um problema complexo porque tem base na família, na ligação à terra, e como as propriedades são divisíveis de geração em geração, vão ficando cada vez mais pequenas na sequência das partilhas. Isto está a promover o abandono, e isso é mais notório nas regiões florestais que também têm o mesmo problema, o minifúndio.

Eu creio que a solução para isto passa por as pessoas perceberem que, para terem viabilidade económica, isto é, se quiserem viver da agricultura, precisam de ter uma determinada
dimensão. E aí o Estado vai ter de encontrar incentivos para permitir às pessoas que manifestem vontade de comprarem, ou de se juntarem, ou de adquirirem novas terras, mesmo que não seja entre partilhas; tem de haver instrumentos que facilitem essa agregação.

A propriedade tem vindo a aumentar em Portugal, mas de uma forma ténue, e há regiões do País onde essa dimensão ainda é muito reduzida. Na região da floresta, atendendo ao
problema dos incêndios, eu até defenderia medidas um pouco mais arrojadas. São difíceis de colocar em prática, mas eu acho que às vezes é necessário um certo arrojo, como seja, proibir que sejam divididas propriedades abaixo duma determinada dimensão e criar incentivos muito francos àqueles que queiram aumentar a dimensão das suas propriedades. Não é possível ter parcelas de 2 hectares ou menos e fazer floresta. Acho que passa por incentivos à união e desincentivos à fragmentação…

Uma pessoa que tenha, por exemplo, 10 hectares divididos em três ou quatro parcelas, não consegue ter a mesma viabilidade que teria se esses 10 hectares fossem juntos. Mas se tiver esses 10 hectares juntos numa zona onde possa fazer uma determinada agricultura com alguma intensificação, possivelmente consegue viver deles e até dar emprego. Se tiver 3 ou 4 parcelas para perfazer esses 10 ha e se ainda por cima elas estiverem a vários km de distância umas das outras, isso é perfeitamente impraticável. E portanto, ele acaba por ter alguma capacidade, mas como está desordenado, essa capacidade esvai-se, e a pessoa vai procurar solução de vida noutro setor, transformando-se em empregado. Ora esse emprego podia ser ocupado por outra pessoa e ele transformava-se em empresário se a sua propriedade tivesse outra dimensão. Portanto, isto tem de ser visto desta forma integrada. É nesse sentido que eu acho que as coisas deviam caminhar.

Sobre a necessidade da renovação do parque de máquinas. Vendem-se hoje cerca de metade dos tratores que já se venderam, depreendendo-se (na ausência de estatísticas nacionais) que o parque de máquinas está envelhecido. Em Espanha tem havido planos para estimular a renovação do parque. Que medidas tomaria sobre este assunto?

Isso tem a ver com várias coisas. Primeiro, o próprio setor agrícola não está muito capitalizado. O acesso ao crédito também não está facilitado, e o Programa de Desenvolvimento Rural funciona mal. Funciona mal porque, pela própria forma como está montado, transformou-se num enredo que o Ministério não tem sido capaz de resolver. Não é só no setor da aquisição de máquinas, é em todo o PDR. O PDR está embrulhado. E enquanto não desembrulhar eu acho que vai ser difícil.

As máquinas agrícolas também são investimentos, as pessoas não compram máquinas agrícolas como quem compra adubo, que tem de se comprar todos os anos e, por isso mesmo,
para haver um investimento tem de haver um programa, um caminho definido. E esses caminhos, neste momento, estão dificultados. A seca foi uma das causas para estes problemas
dos últimos anos. E depois, este envelhecimento do tecido empresarial, principalmente na zona do minifúndio, está a intensificar-se.

“O acesso ao crédito também não está facilitado, e o Programa de
Desenvolvimento Rural funciona mal. Funciona mal porque, pela própria
forma como está montado, transformou-se num enredo que o Ministério
não tem sido capaz de resolver.”

Há um crescer de alguns jovens agricultores, mas há uma situação no meio que eu sinto que está vazia. Aqueles agricultores de meia idade, que ainda não passaram a pasta aos mais novos, ou porque não os têm ou porque não querem, não estão a fazer investimentos, têm pouca capacidade de aderir a novas culturas, de se adaptarem aos novos tempos. Tem muito a ver com a forma como comercializam os seus produtos, aquilo que fazem é pouco rentável. Para passar a ser rentável tinham de vender doutra maneira, isto implica negociar doutra maneira…. É por isso que é muito importante a criação das OP’s, porque cada vez há mais concorrência, e essa concorrência tem de ter agressividade comercial (que está intimamente ligada com conhecer o mundo comercial).

Portanto, se isso não for também despoletado, não há investimento, logo não há compra de máquinas agrícolas. Se for para a região do Alentejo e aqui no Ribatejo, as coisas até não estão muito mal porque passou a haver consciência da importância do comércio, as pessoas estão todas organizadas em OP’s, começaram a crescer, começaram a aparecer as empresas prestadoras de serviços. No Norte também há, mas muito associadas à floresta, e há menos agricultura empresarial, com exceção do vinho, do leite e do azeite. Aqui em baixo faz-se uma agricultura mais intensiva.

 

Qual é a sua perceção em relação à percentagem de jovens agricultores que se mantêm na agricultura no fim do primeiro projeto? E porquê?

Não tenho esse número, mas acho que há muitos que abandonam, e às vezes abandonam por terem começado mal, ou seja, foram levados a fazer um projeto convencidos por uma terceira pessoa. Mas também há os outros, aqueles que abraçaram um projeto agrícola porque estavam no desemprego, porque não encontraram saída para a sua vida profissional depois de se terem formado numa outra área, e depois apaixonam-se pela agricultura. E como são pessoas que vêm de uma academia, que trazem a cabeça já exercitada, que têm capacidade de mexer em informática, sabem dialogar uns com uns outros, não têm problemas em ir ao estrangeiro, fizeram Erasmus, vão a feiras, etc, às tantas quando dão por eles são empresários. E isso é muito bom.

Se fosse hoje começar como empresário agrícola, no sítio onde reside, em que é que investia? Porquê?

(Risos). Essa pergunta é muito complicada. Tenho alguma dificuldade em responder por uma razão. Eu nasci numa família de proprietários, agricultores, mas proprietários. Sou agricultor não apenas por vocação, mas por ter as raízes metidas na terra. Por isso é que a pergunta é difícil de responder.

Eu gosto de agricultura, mas tenho uma enorme paixão pela terra, como propriedade, como património. Sinto uma responsabilidade social enorme por ser proprietário rural. Num mundo onde existe tanta gente que tem tão pouco, se eu sou dono dum pedacinho do planeta, tenho de ser um homem muito afortunado e isso suscita-me um sentimento de Missão e tenho de ter consciência do que significa essa fortuna. Quando morrer a terra não vai comigo, nem sou capaz de a comer, então não pode servir só para mim, tem de servir as pessoas que estão à volta, aqueles que comigo lá trabalham.

Foi esta mistura de sentimentos que me levou a ser agrónomo e a transformar-me em agricultor. Foi por isso que sempre desenvolvi a minha atividade profissional e oficial perto das
minhas propriedades, nunca fui empregado do Ministério da Agricultura num 7º andar metido em Lisboa. Fui técnico do Ministério, mas no campo, para poder, no dia-a-dia, ver como as minhas coisas estavam a acontecer.

E por isso, se me perguntar o que é que eu faria se quisesse começar hoje como agricultor, nesta região, eu diria que em qualquer coisa em que me pudesse especializar, ou um produtor de tomate de indústria, ou um produtor de vinho, ou um produtor de azeite. Isto em termos agrícolas…, mas para mim a agricultura está muito associada a uma abrangência de várias coisas.

Floresta, gado, tradição, culturas mais e menos intensas..., mas é uma pergunta um pouco difícil de responder porque, de facto, sou mais empresário no sentido da conservação e
viabilização de uma parcela do território, preocupado em assegurar a sua passagem à geração seguinte, do que propriamente um agricultor disto ou daquilo.

Falou em “tradição” …

Esta situação que nós vivemos hoje em Portugal das propriedades poderem ser divididas por todos os herdeiros, não se passa em Inglaterra, nem na Alemanha, onde quem herda não pode dividir. Em princípio herda o mais velho sendo os outros recompensados de outra maneira.
Uma propriedade em Inglaterra é aquilo a que eles chamam de “estate”, e não “property” ou “farm”. Uma farm é para agricultura, uma “estate” é um património, é um pedaço de
território, pode ter uma casa de família, tem terrenos, e esses terrenos podem até ter agricultores independentes, mas aquele conjunto é indivisível, e por isso é que eles têm aquela celeuma e aquela tradição toda. Se a Inglaterra tivesse sido invadida por Napoleão como se passou connosco, aquela paisagem que nós hoje vemos estaria toda retalhada.

Hoje em dia o problema das casas boas não serem mantidas é porque lhes desapareceu o terreno à volta. Vão sendo divididas e às tantas há um que fica com a casa e os outros ficam
com as terras, vendem as terras, a casa fica sozinha e acaba por cair, ou então lá vem o turismo rural que não vai resolver tudo. Portanto, aí, a História dá a resposta.

A Alemanha também faz assim, na Alemanha e na Áustria não se dividem as propriedades. Em Espanha, os grandes de Espanha, que é uma coisa que nós cá não sabemos, porque somos de facto um país pequeno, não dividem as propriedades. E isso transforma essas áreas em grandes empresas agrícolas, até porque quanto mais estão a sul, menos rico é o solo e mais agreste é o clima, e, portanto, a dimensão tem que ser maior para haver rentabilidade.

Cá em Portugal, na altura dos incêndios, fiquei impressionado, estive uma vez num programa de televisão sobre os incêndios e estava lá o presidente da Câmara de Mação, que é um dos poucos concelhos que tem as propriedades todas identificadas. Ardeu tudo na mesma… sabe quantas parcelas existem no concelho de Mação? 80 mil, que pertencem a 17 mil pessoas. Ou seja, cada proprietário tem, em média, 5 parcelas. Os munícipes de Mação são 7 mil. Os outros estão dispersos por outros sítios. Essa gente, com uma parcela do tamanho desta sala quer lá saber da limpeza do terreno...

Como é que isto se resolve? É acabar com as parcelas pequeninas e obrigar aquilo a crescer. E então em região de floresta se em vez de ter meio ou um hectare por pessoa tiver 50 ou 100, as pessoas olham para a floresta doutra maneira. Porque para a floresta desaparecer dali tinha de haver uma alternativa em termos de economia. A economia tinha de deixar de ter a floresta para passar a ter pessoas, tinha de ter animais e agricultura. Portanto é preciso identificar onde é que estão as regiões onde se podem fazer outras culturas, que por sua vez podem originar agroindústrias, e até exportação.

Como é que lá se chega? Começando. É isso que eu não vejo, não vejo os passos nesse sentido. Há coisas aqui que são dolorosas, porque se nós começarmos a criar restrições à divisão da propriedade, há quem não goste disso. Mas tem de ser. Se não for assim, não há visão de Estado.

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